quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A síndrome da Vó Morta


Que nossos heróis, os “cientistas americanos”, são destemidos e abnegados, e que eles adoram síndromes de toda sorte, todos já sabíamos.

Agora Síndrome da Vó Morta é demais, certo? 

Segundo um estudo nada recente, (http://www.ct.edu/files/resolutions/93-059.pdf) a probabilidade de uma avó de aluno com notas baixas morrer em período de provas aumentou 5 vezes entre 1967 e 1988. Essa anomalia foi denominada “Síndrome da Vó morta”, e representa a luz da ciência para um “pecado” que a maioria dos mortais seres humanos já cometeu. 

A leitura do referido artigo é um convite à reflexão sobre o fazer científico, que gostaríamos de compartilhar com nossos correligionários blogueiros! Que ciência é essa meu irmão? Que se preocupa em quantificar a morte das avós de alunos! Por outro lado, quem somos nós pra falar o que deve ser ciência? Quem dita essas regras? Talvez fosse mais fácil “apenas” fazer ciência, certo?

Nada disso... Chacrinhas que somos, estamos aqui pra confundir e não pra explicar.

O que é um objeto científico hoje, prezados? Que síndrome você tem? Minhas avós, que estão no céu – de fato – tinham bem menos do que nós!

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Mulher(,) objeto da ciência: a vírgula é opcional


A Folha de São Paulo (27/11/2012) divulgou em sua coluna “equilíbrio e saúde” uma novidade (não tão nova) do ramo da beleza: um 'CHIP' FASHION! Trata-se de um implante de um tubo de silicone com comprimento de um palito de fósforo e com 1 milímetro de diâmetro, contendo uma mistura hormonal que pode variar, mas que, em geral, contém gestrinona e elcometrina, hormônios à base de progesterona. O implante é realizado nas nádegas e leva à redução de apetite, ao bloqueio da menstruação, à redução de cólicas e enxaquecas, entre outros benefícios. O implante, explica a FOLHA, já é largamente utilizado entre modelos no Brasil e no mundo, mas ainda não é aprovado pelas entidades médicas e continua tendo sua comercialização proibida.

Tops models ou cobaias, efeitos colaterais ou benefícios? A mulher deve ser dona de seu corpo, essa foi a principal motivação das revolucionárias pílulas anticoncepcionais. Mas já não é de hoje que essa visão idílica da liberdade do corpo da mulher mudou (posto que algumas coisas não mudaram). A sociedade quer uma mulher que seja dona de seu corpo, e que, de preferência, tenha um belo corpo. Ela deve ser magra, alta, elegante, recatada, bronzeada, usar adereços incômodos e maquiagens, pintar as unhas, fazer depilação com cera, fazer alisamento no cabelo, se submeter a tratamentos estéticos invasivos e arriscados... a lista é longa e vem se expandindo inclusive no mercado voltado ao público masculino. A inteligência, o trabalho, as habilidades desenvolvidas ou o caráter parecem ser opcionais da mulher que, com ou sem pílulas anticoncepcionais, continua sendo tratada como objeto, oprimida pela sociedade e por ela mesma.

A vírgula do título é opcional, mas, numa ciência feita sobretudo por homens, e que é fruto da demanda de uma sociedade machista, ao fim e ao cabo, tanto faz. A ciência que aborda as mulheres como objeto de pesquisa acaba, grande parte das vezes, por tratá-las como mulheres-objeto. Se a sociedade reproduz valores sexistas, a ciência produz, a toque de caixa, pesquisas sobre mulheres para mulheres-objeto.

A equação é fácil: a sociedade demanda, a ciência produz, as agências de modelos financiam o implante e a mídia, intempestiva, divulga: os implantes variam de R$ 700 a R$ 3.000.

Valeriam quanto numa sociedade menos sexista?

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Pitangas: quanto custa confiar na ciência?


Já que um blog é uma espécie de diário, vou tomar a liberdade de chorar pitangas...

Há 20 anos, o que era preciso para se ter um animal de estimação? Lembro-me de uma senhora que salvou um cachorro dando-lhe angu de fubá com muxiba e água limpa. Claro, também precisou de um banho, outra necessidade básica.

The Simon´s Cat
Hoje, cada vez que preciso levar um dos meus gatos ao veterinário, tenho que desembolsar uma grana. Fora isso, por mês, os bichinhos comem dois pacotes de ração, algumas latinhas de petiscos e gastam três sacos de areia higiênica contra odores. Tudo cientificamente desenvolvido para dar conforto e saúde aos bichinhos. Resumo da ópera: custa caro e é tarde demais, eles não gostam de angu e já gostamos demais deles. Daria pra deixá-los mais soltos, sem tantos mimos, confesso que foi uma escolha: comidinhas saudáveis, xampu neutro e vermífugo! Se a ciência faz, por que não consumir? Claro, também daria pra gastar mais: acupuntura, reike, ofurô, shiatsu, mordedor, arranhador, banho e tosa, ração orgânica sem corantes, ração super Premium embalada a vácuo, raios-X, ultrassonografia, castração, anticonceptivos, cone para urina, case para transporte, caminhas com erva de gato, coleiras contra pulgas, novas fórmulas de anti-helmínticos, novos estudos sobre bolas de pêlos, nova geração de calmantes para controlar latidos... A lista não tem fim, daria pra gastar muito mais. A ciência tem seu preço, e como tem.     

Há três dias, encontramos um gatinho doente, possivelmente atropelado, frágil e prostrado. Não fazia nada, apenas estava vivo, ainda. Seria muito difícil ignorar a situação... Quando chegamos ao veterinário de plantão, bastou ele bater o olho: “-Internem, está completamente desidratado. De imediato, vamos dar um banho e colocar no soro. Faremos o possível, quando estiver melhor, faremos outros exames.” Perguntei se a gatinha (soubemos, uma fêmea!) sobreviveria ao banho. Com sinal positivo: “-O soro pode infeccionar, aí piora tudo. Precisa do banho.”

É, pensei, banho é um cuidado básico, como “angu de fubá com muxiba”.

Confiantes, deixamos a gatinha internada. Pensando agora, estou achando que a gatinha teria preferido ficar na rua mesmo, no cantinho confortável que ela tinha escolhido antes de ser levada a um lugar com cheiro de cachorros, injeções, xampus e banquetes tardios. Talvez tenha sentido menos dor, talvez tenha ficado mais confortável. Não dá pra saber.

A gatinha morreu, não suportou o básico: o banho!      
Não chegou a ter nome, mas talvez fosse Gaia Ciência.
Dispensamos o serviço de incineração por R$ 65. Foi enterrada limpa.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

“Partícula de Deus” e outras figuras mitológicas 2: ciência por acaso



Na semana passada, vários jornais anunciaram a possível descoberta do Bóson de Higgs – a partícula de deus. Inúmeras matérias sobre os bósons e os prótons, sobre Einstein, sobre a teorias das cordas, sobre Física Nuclear, sobre o The Large Hadron Collider (LHC)... pipocaram na internet. Alguns canais de comunicação informaram a trajetória científica da possível descoberta e indicaram a trajetória daquele que seria o “dono da bola”, o físico britânico Peter Higgs.


Como maçãs que caem nas cabeças de gênios ou mãos que cruzam acidentalmente feixes radioativos de elétrons, Higgs teria tido seu momento de epifania “enquanto caminhava um fim de semana pelas Montanhas Cairngorm, na Escócia. Quando retornou ao laboratório, ele disse aos seus colegas ter tido sua ‘grande ideia’ e encontrado uma resposta para o enigma de porque a matéria tem massa (UOL).”

O parque natural de Cairngorn: belíssimo panorama para
uma“epifania” sobre a partícula de deus


Obviamente, a ciência não avança apenas por momentos “Eureka”. A ciência se desenvolve em laboratórios, com pesquisas, com pesquisadores, com trocas de conhecimento, com divulgação de métodos, com incentivos, com reconhecimento social, etc. Steven Shapin, professor de História em Harvard, tem uma frase interessante sobre a complexidade da produção de conhecimento: Há tanta ‘sociedade’ dentro do laboratório e do desenvolvimento do conhecimento científico quanto ‘fora’ dele”.


Mas nada disso é novidade. Os cientistas sabem que a ciência não é produzida pelo gênio maluco em seu laboratório subterrâneo, nem por epifanias desconexas. As grandes descobertas surgem, mas não do nada, ao acaso. Surgem em laboratórios, em congressoss, nas mentes de cientistas que as procuravam, e mais, que foram (en)formados para encontrá-las. Então, por que continuamos consumindo esses mitos sobre descobertas científicas ocasionais? Por que é necessário construir relatos do tipo: “era uma manhã calma e florida de primavera quando tive uma ideia que anos depois se consagrou...”? Por que sabemos sobre a maçã de Newton? Por que sabemos que Galileu lançou pesos da Torre de Pisa? Alguns desses relatos nada mais são que mitos criados para glorificar os cientistas, para engrandecer suas descobertas, para aumentar a popularidade de teorias, para alimentar o imaginário e promover o reconhecimento popular, para viabilizar e justificar gastos com pesquisa, para firmar campos do conhecimento e legitimar determinadas ciências. São mitos que nos foram passados como partes de uma história grandiosa, heróica, digna de um suntuoso roteiro hollywoodiano! Não por acaso, é necessário criar esse tipo de áurea sob a imagem dos cientistas, homens objetivos, calculistas, geniais, que concebem uma grande descoberta ocasionalmente em seu dia-a-dia, enquanto nós, não-cientistas, caminhamos todos os dias enquanto pensamos em aleatoriedades como esta:

 Em 5 de novembro de 1955, após uma queda no banheiro,  
Dr. Emmett Brown inventara o capacitor de fluxo, dispositivo que possibilitou
a viagem no tempo em De volta para o Futuro, trilogia de Steven Spielberg



Encontrar o Bóson de Higgs pode ter sido um grande passo. Mas encontrar a partícula de deus como em um belo roteiro cinematográfico, sim, justifica uma verdadeira epifania científica!



quinta-feira, 5 de julho de 2012

A “partícula de Deus” e outras figuras mitológicas



Nosso entendimento do Universo se tornou mais completo hoje. Pelo menos, é o que anunciam (e comemoram) os cientistas do CERN (Organização Européia para a Pesquisa Nuclear). Depois de alguns anos de pesquisa intensa e alguns bilhões de dólares envolvidos no projeto, o tão aguardado “Bóson de Higgs” – a “partícula de Deus” – foi descoberto. Apesar de ainda falarem em “resultados preliminares” e insistirem na necessidade de novos experimentos, a excitação é evidente.

Em um comunicado divulgado à imprensa, a despeito do tom reticente, o diretor do mais importante laboratório de físicas de partículas do mundo qualificou de “histórica” a descoberta realizada pelos pesquisadores de um dos projetos que ocupam o LHC, um gigantesco acelerador de partículas instalado cem metros abaixo da superfície de Genebra, na Suíça. A partícula que ocupou os noticiários de ciência e tecnologia hoje tem importância fundamental para a atual explicação do Universo, o chamado Modelo Padrão. Não quero explicar a teoria física vigente. Não quero falar do “Bóson de Higgs” (quem quiser, pode ler mais aqui). Quero falar da “partícula de Deus”.



Imagem da dispersão de partículas de alta energia a partir da colisão de dois prótons

            Ao contrário do que somos inclinados a pensar, a ideia de dar um apelido impactante para uma partícula esotérica presente nas teorias herméticas da física contemporânea não surgiu da mente de um jornalista de ciência preocupado com a aridez dos temas que trata. Pelo contrário, a expressão “partícula de Deus” foi cunhada pelo eminente físico Leo Lederman, ganhador do Nobel de Física em 1988.

            E esse não é o único exemplo. Albert Einstein ficou famoso por suas metáforas teológicas. O astrofísico George Smoot comparava, em 1992, o momento do Big Bang à visão do “rosto de Deus”. Além disso, podemos encontrar, em uma região da Nebulosa de Águia, os “Pilares da Criação”, enormes estruturas de gás e pó que dão origem a diversas estrelas e planetas.Todas essas metáforas são obras de cientistas.




Os “Pilares da Criação” da Nebulosa de Águia

O LHC, a maior máquina já criada pelo homem, não se resumo a um gigantesco túnel de 27 km de circunferência (embora isso já seja bastante impressionante). Para funcionar, ele precisa estender sua rede para muito além das paredes subterrâneas do laboratório. Precisa ampliar sua influência por toda Europa e além do Atlântico em colaboração com pesquisadores e universidades do mundo inteiro – do Brasil, inclusive. Precisa convencer o Parlamento Europeu a liberar milhões de euros em fundos anuais. Precisa, enfim, da legitimidade conquistada junto à imprensa e à opinião pública.


Depois do anúncio da descoberta do Bóson de Higgs, o que vai ser feito com o LHC?

Em uma época onde as “aplicações práticas” do conhecimento científico são exigidas em prazos cada vez mais curtos, a pesquisa em áreas como a física de partículas – que exigem altíssimos investimentos e cujos resultados tecnológicos são visíveis a médio e longo prazo (algo que só é permitido à física, em muitos casos) – precisa descobrir novas maneiras de ressaltar a sua importância. Fazer lobby sempre foi uma das atribuições fundamentais do cientista. Em cada situação, em cada época, em cada ciência, variam as formas como os cientistas atraem o público, a política e o financiamento para a sua pesquisa. Em homenagem aos Médici, Galileu chamou de Medicea Siderea as recém descobertas luas de Júpiter.

Por isso, não devemos nos surpreender com o apelo de áreas como a astrofísica ou a física de partículas à metáforas que evidenciem a importância das descobertas, que chamem a atenção da mídia, que lembrem constantemente aos políticos e órgãos de financiamento que a ciência tem um valor intrínseco. A metáfora cumpre seu papel quando ativa um imaginário ocidental subterrâneo, que de vez em quando se manifesta, sempre de formas diferentes, se recombinando em função do contexto histórico. Obviamente, não estamos se trata de uma metáfora qualquer, mas de um recurso ao poder divino de criação do mundo.

Encontrar “Bósons de Higgs” custa muito caro, procurar pela “partícula de Deus” vale a pena.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

A verdade faz bem pra saúde?



       O Ministério da Educação anunciou recentemente a criação de quase três mil novas vagas em faculdades de medicina em todo Brasil, causando rebuliço na classe dos discípulos de Hipócrates. Sua idéia é relativamente simples: aumentando o número de profissionais aumenta-se também a abrangência da assistência médica aos dela necessitados. Uma mera questão mercadológica de oferta e procura.
        No cerne dessa discussão, que pelo visto ainda será longa, estão uma série de clichês e estereótipos que precisam ser discutidos na sociedade “democrática” e “liberal” do século XXI. O “sonho” der ser médico é realmente um sonho profissional? Quão social – e financeiro – é esse sonho? Vamos deixar o Dimitri nos dizer um pouco mais: 


Ao fim e ao cabo, ser médico significa atingir um patamar social e intelectual singular, logo, um objetivo básico para todo ser fruto da sociedade de “leões” em que vivemos. Afinal, de duas uma: ou a pessoa é intelectualmente privilegiada para ser aprovada nos vestibulares mais concorridos das universidades públicas, ou é financeiramente privilegiada para arcar com as elevadíssimas mensalidades das instituições privadas que oferecem esse curso. Quem não quer estar nesses grupos?
Culpa do século XIX, dirão alguns! Sim, no século retrasado a medicina ganhou um status social nunca antes experimentado, graças a sua aproximação definitiva para os lados da ciência – vale lembrar que, em outros momentos históricos, médicos já foram comparados a bruxos, charlatões, etc. Os impactantes avanços técnicos da época que culminaram na descoberta de agentes causadores de diversas doenças como a tuberculose, a lepra, a febre amarela, etc., legaram aos médicos um ar de semideuses. Santa ciência, que conseguia curar definitivamente males que assombravam gregos e troianos, e que enchia de esperança os que passavam a enxergá-la como o caminho para a salvação do homem!!
A partir de então, acelerou-se o processo de elitização da profissão médica, que já era observado pelo menos desde o final do século XVIII. Com salutares exceções, apenas filhos de doutores e ricos fazendeiros se aventuravam pelos caminhos da medicina. Nem de longe é coincidência o fato de observarmos famílias que são verdadeiras dinastias de médicos e médicas, que brindam seus pacientes com a oportunidade de serem tratados por mentes tão brilhantemente lapidadas pela ciência.
Muito bem. Agora observamos um processo de massificação desses profissionais. Querem formar médicos em cada esquina, dizem uns. Querem tornar a profissão médica uma outra qualquer, dizem outros. O que estaria por trás desse medo?
Seria o temor de passarem a ganhar um salário como de um outro tecnólogo qualquer? Xi, lá vem outra discussão ferrenha. Acreditam alguns que médico não é um tecnólogo. Ora, senhoras e senhores, o que poderia ser mais técnica do que a profissão médica? Vale lembrar que alguns filósofos já se aventuraram por demonstrar isso, como Foucault, Derrida, dentre muitos outros. Quantos males sociais causam esse pensamento! Especialmente num país continental como o Brasil.

Por acreditarem nisso, nossos governantes até hoje caíram na conversa de que a medicina deveria ser pra poucos. Que eles deveriam apenas e tão somente construir uma infraestrutura que proporcionasse ao cientista da vida as condições de exercer sua profissão abençoada! Como construir essa infraestrutura, ora bolas? O SUS foi uma tentativa. Todos sabemos o resultado!
A proposta do ministério, abordada anteriormente, de aumentar o contingente de médicos para reduzir, a médio prazo, o custo desses profissionais na planilha orçamentaria do Sistema Único de Saúde, é vista como temerária por legar a um segundo plano a construção dessa infraestrutura, evidentemente necessária para o funcionamento do sistema. Em outras palavras, onde irão trabalhar esses novos médicos que irão se formar? Ora, o que não faltam são doentes precisando de médicos nos rincões desse país. Hoje, para se submeterem a tamanha insalubridade, os médicos exigem a módica quantia de quase vinte mil reais por mês.
A questão é relativamente simples. Formando mais médicos, reduzir-se-á essa disparidade. Mas, que fique claro: não temos nada contra médico nenhum! Pelo contrário! O mundo precisa deles. O Brasil, especialmente, precisa deles! De médicos, de técnicos em eletrônica, de mecânicos, de pedreiros, de engenheiros.Até mesmo de professores, quem diria!Mas precisa também de justiça e condições profissionais minimamente competitivas.
Longe de entrar em questões politicas, a decisão do ministério da educação vem de encontro com impactantes discussões que ocorrem mundo afora a esse respeito, e merece respeito. É claro que aumentar o número de médicos, pura e simplesmente, não vai resolver problema nenhum. É claro que esses novos cursos devem ser fiscalizados com o máximo rigor, no sentido de formar profissionais capacitados. O que se exige é o mesmo rigor dado para a medicina para todas as outras profissões, tão importantes quanto ela. O que se deseja é que a sociedade reflita sobre os mitos que cria e destrói, que valora e desvaloriza. Deixem o Dimitri estudar em paz! 
Garanto uma coisa: a partir do momento em que um médico passar a ganhar o mesmo tanto que outros tecnólogos, vai ter muita criança mudando de sonho no meio da noite...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Sustentável inconsistência

Sustentabilidade, the new order!

Sacolas retornáveis, agricultura sustentável, papel reciclado, plástico biodegradável, coleta seletiva de resíduos, pecuária em harmonia com o meio ambiente... Desenvolvimento sustentável! Todos os dias somos bombardeados por sustentabilidades.

O termo sustentabilidade começou a ser utilizado com maior frequência depois da United Nations Conference on the Human Environment – UNCHE, em 1972. Uma variação do termo – desenvolvimento sustentável – também foi discutida no Relatório Brundtland, em 1987. No Brasil, a onda pegou mesmo depois Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Eco-92, realizada no Rio de Janeiro. Foi quando as pesquisas brasileiras na área de Biologia, Ecologia, Engenharia, Ciências Políticas, História, Administração, e mais uma infinidade de ciências, passaram a se preocupar com o tema.

Eis um diagrama explicativo muito útil quando não se quer falar muito para não correr o risco de “falar demais”:     


Pouco mais de 30 anos de idade, e de lá pra cá a sustentabilidade sofreu um boom, virou uma coqueluche midiática, empresarial, política. Hoje, a “coisa toda” está tão moda que é repetida à exaustão. Querem formar novas gerações dentro dessa matriz de pensamento, futuras gerações sustentáveis das quais nós já fazemos parte. Repetir, repetir, repetir, até perder o sentido. A estratégia é essa? Diversas empresas têm explorado recursos naturais sob a “alcunha” da sustentabilidade. A construção da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, por exemplo, realizada pelo consórcio Santo Antônio Energia (em sociedade com a Eletrobrás-Furnas, com a Caixa, com a Odebrecht, com a Andrade Gutierrez, com a Cemig e com o Governo de Minas) na capital do estado de Rondônia, tem causado transtornos a inúmeros beradeiros (ribeirinhos) que tiveram que deixar suas casas sob a ameaçada do “banzeiro” (movimento das águas). São famílias e mais famílias que se deslocam para as já insustentáveis cidades, carentes de infraestrutura e serviços básicos. Pescadores relatam, incessantemente, a gritante e preocupante diminuição do pescado no Rio Madeira, em Rondônia. O complexo histórico “Estrada de Ferro Madeira Mamoré - EFMM”, que vinha sendo recuperado para as comemorações de 100 anos da cidade de Porto Velho, ameaça não suportar o aumento da “maré de má sorte” do Rio Madeira. O problema é tão evidente e eminente que o Iphan de Rondônia pretende solicitar um relatório técnico sobre os impactos citados ao Consórcio Sto. Antônio Energia. Bem, isso para nos limitarmos a alguns dos problemas mais conhecidos... Repetições observadas em Itaipu, em Santo Antônio, em Jirau e, provavelmente, em Belo Monte.

Como fica o meio-ambiente, o social, o tolerável, o justo? É, fica cada vez mais difícil sustentar o discurso da sustentabilidade. E do diagrama acima, parece que resta a visão de “economia viável”, e nada mais. Eco-ingenuidade? Ora, as empresas respondem às necessidades do mercado, buscavam novos investimentos, novas fontes de fornecimento de energia. São nossas demandas, da nossa sociedade. Mas o que nós, pesquisadores, cientistas, intelectuais, temos feito do conceito “sustentabilidade”? Se esse e os demais “eco-conceitos” servem para classificar a ação das empresas – como o “prêmio” de pior empresa com atuação social e ambiental da Vale no Fórum Econômico Mundial de Davos, 2012 – tanto melhor. Mas, se os eco-conceitos servem para mascarar a realidade, para amenizar impactos sociais, para convencer a opinião pública, para solicitar isenção de impostos ou para permitir novas formas de exploração ditas “limpas”, podemos optar pela recusa desse desserviço. E mais, podemos e devemos discutir o que vem sendo feito sob a proteção do título “desenvolvimento sustentável”. Afinal, até quando criaremos eco-conceitos para sustentar a flexibilidade moral do que chamamos de desenvolvimento?

Vinte anos depois da Eco-92 e passadas poucas semanas da mal digerida aprovação do Novo Código Florestal (coincidência?), o que esperar da Rio+20??? Como levá-la a sério? Como avaliá-la?

Desenvolvimento sustentável para quem?

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O Fantasma nosso de cada dia


A imagem da intolerância, da alienação, do poder intelectual, ou da falta dele, já foi essa:
 

 Hoje, a imagem seria  mais próxima disso:
Imagens de dois contextos completamente distintos. No primeiro, livros proibidos são queimados e bestas festejam no entorno de uma enorme fogueira. No segundo: mensagem de acesso negado, conteúdo virtual bloqueado. 

Diferentes contextos de proibição!

No meio acadêmico, nós, estudantes de Pós-Graduação, pesquisadores e cientistas financiados pelo Estado (seja por meio de bolsas de pesquisa ou por meio de ensino gratuito e, é preciso dizer, de qualidade), produzimos conhecimento: como dissertações e teses. Desde a Portaria n°13 de 2006, a Capes obriga que os Programas de Pós-Graduação divulguem em página própria ou NO DOMÍNIO PÚBLICO, as dissertações e teses de seus discentes. Que maravilha, que belíssima iniciativa: divulgar o conhecimento! Permitir o livre acesso! Se o conhecimento não é feito em torres de marfins, por que raios ele deveria se esconder lá? Não há inquisições, não há associações repressoras nem mecanismos de censura (ou há?), então, que o conhecimento esteja disponível?Bravo!

Mas nem tudo são flores...
Alguns pós-graduandos defendem suas pesquisas em “memoráveis” bancas e ... PUBLICAM seus trabalhos. Transformam sua dissertação ou sua tese em livro. Concordo que sejam publicados, divulgados... Bravo²! São textos autorais (o que é autoria?), escrito pelos pesquisadores, não são? Pois bem, que publiquem.
(Fonte da imagem)

Há poucos meses, Dr. X se recusou a divulgar sua tese de doutorado, defendida antes da portaria n°13 de 2006. “Não posso disponibilizar a você, a tese está em processo de edição para ser publicada em livro, não quero futuros problemas de plágios!” Para além dos óbvios motivos que alimentam a vaidade dos professores, doutores, intelectuais brasileiros, o que a fala do Dr. X indica? Uma tese, que é fruto de um doutoramento financiado pelo ESTADO BRASILEIRO, pago com os meus, com os seus impostos, pode ser de direito de divulgação EXCLUSIVO do autor? - Pode! Há uma data na determinação da CAPES (2006), mas por quê? E antes disso? Por que eu – pós-graduanda, pesquisadora financiada pelo Estado – devo disponibilizar meu trabalho, e o Dr. X pode guardá-lo, vendê-lo? Estranha equação! Esse trabalho não deveria estar digitalizado, não deveria ser de livre acesso, tal como os trabalhos posteriores a 2006? E o mais importante, o pesquisador não deveria facilitar o acesso? A política de divulgação dos trabalhos de pós-graduação não deveria estar introjetada nas mentalidades acadêmicas?
Ora, seria preciso explicar ao Dr. X que a mídia eletrônica não equivale e não concorre com o papel. Se eu gosto de seu trabalho, Dr. X, estando ele no meu pendrive ou no DOMÍNIO PÚBLICO, certamente irei adorar a oportunidade de comprá-lo quando for publicado em livro, não é? Mas caro Dr. X, frente sua vaidade intelectual, talvez eu prefira mesmo buscar outros textos para ler, baixar, comprar, digerir, regurgitar. Antropofagia sim, plágio não! Mal próprio da autoria (leia-se o seu maior “bem”), hão de existir dezenas de outros trabalhos semelhantes, canibalizáveis... Dr. X, o que não “roda”, não é conhecido, não é conhecimento. (Esse sim, um Mal).                                                     
(Fonte da imagem)        
    Para além da academia e ainda sobre ela, a relação entre direito autoral e liberdade de acesso tem criado uma verdadeira caça às bruxas, e por que não dizer à PIRATARIA VIRTUAL? Quem tem medo desse fantasma pirata? Editoras? Autores? Estudantes? Os cantores não vivem apenas da venda de seus discos, mas também dos shows que fazem. (aliás, uma possível visão de Caetano Veloso sobre o tema está disponível aqui) Estabelecer uma nova funcionalidade para as “bibliotecas virtuais” não estaria na ordem do dia? Há muito para ser discutido entre os direitos autorais e a liberdade de acesso. Que melhor momento para se pensar isso do que este, a semana em que se discute o Marco Civil da Internet, em meio aos SOPA´s e PIPA´s do mundo afora? Que tirem as bibliotecas do ar, que fechem os Megauploads, que processem os PiratasBays e que notifiquem os LivrosdeHumanas´s... Saibam, Doutores X´s, a história tem mostrado que eles – os fantasmas piratas – sempre voltam, pelo simples motivo que o conhecimento encontrará outros caminhos de se fazer conhecido.

Menos vaidade, mais conhecimento e liberdade.  #FreeLivrosdeHumanas
E para quem tem medo de assombração: - Buuuuuuh!!!

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O Historiador-exterminador do futuro



            Trabalhando na organização e produção de um café científico, me dei conta de que a vida do historiador moderno é, de fato, um dejeto insignificante (vulgarmente falando: uma merda!). Foi-se a época em que vivíamos felizes visitando arquivos e bibliotecas úmidas atrás de nossas fontes, com aquele ar de Sherlock Holmes. Não sou dessa geração. Muitas das fontes que utilizei até hoje estavam digitalizadas, tendo conseguido até mesmo arquivá-las em um CD, ou em um pen-drive. Engraçado: se estivesse escrevendo isso há dez anos, teria incluído os sepultados disquetes nessa lista.
            Em um café científico, o cientista discute um tema cotidiano com uma pessoa “não-cientista”. O púbico se diverte com os embates entre o “catedrático” e o “desletrado intelectual”. Estudos na área mostram, porém, que a interação entre o público e os entrevistados sempre foi um desafio, exatamente pelo receio de fazer uma pergunta incompatível a esses dois mundos aparentemente tão distantes. Pensando nisso, desenvolvemos uma interação diferente, por meio da tecnologia. Aí começa a história. Aí começa minha angústia!

           

            Agora me vejo às voltas com Mac’s, Ipad’s e blu-rays, tendo programadores e gerentes de projeto como interlocutores acadêmicos. Perdendo o sono com medo do nosso programa não funcionar na hora do café.
            E acabo me perguntando algumas coisas: será que damos o devido valor para a informação que produzimos hoje, em outras palavras, para o material de trabalho do historiador de amanhã? Você já se pegou pensando que vai precisar de um aparelho pra descompactar arquivos, de senhas pra acessar e-mails dos atores que serão objeto de suas pesquisas? Suas chances de sucesso serão muito aumentadas, se você for amigo do pessoal do Google! O historiador ainda vive e trabalha analógico na era digital! Incongruente, pois para ser historiador hoje é preciso saber mais do que História, é preciso saber formatar, transferir arquivos, criar sites, configurar softwares, instalar hardwares e mais o diabo a quatro!
            Minha angústia aumenta quando penso que devo me preocupar com isso, e percebo que não terei tempo e paciência, já que preciso (preste atenção no verbo: preciso) escrever artigos, escrever resenhas, escrever receitas de bolo, escrever bulas de remédio...  para o bem geral do lattesão!

           Vivendo entre dois mundos: o da história e o da “ciência” ou, se preferir: o analógico e o digital, sinto-me num “sem lugar”. Sei apenas que a estrada que caminho hoje está com seus dias contados. Ah, mas nem tudo está perdido! O tesão pelo conhecimento não será deletado dos nossos discos rígidos. Vamos continuar querendo saber (d) as coisas. Não quero precisar de viagra pra produzir conhecimento histórico! Bora pensar em como lidar com isso??     

sábado, 19 de maio de 2012

Quem quer ciência?


A ciência está no mercado. Quem pode comprá-la? Quem pode vendê-la? O final do século XX e o início do século XXI vivenciaram uma fase inédita na produção de ciência. Uma fase de crescimento, sem dúvida. Mas também de mudanças profundas na forma como a ciência é organizada, financiada, produzida e consumida. Ao longo da Modernidade, a imagem do cientista se transforma, junto com a ciência. O filósofo natural, o erudito, o intelectual e o expert passaram e deixaram suas marcas. Hoje, a imagem dominante é a do businessman scientist, o cientista empreendedor.


Craig Venter, busisnessman-scientist


O famoso bioquímico e mega-empresário das áreas de sequenciamento de genoma e engenharia genética. Pesquisador de ponta (responsável pelo primeiro grande feito científico do século, um código genético sintético) e investidor ousado. Essa é a imagem emblemática do cientista contemporâneo. Como, obviamente, nem todos foram como Newton no século XVII, nem todos são como Craig Venter. Mas isso não impede que muitos (a maioria) compartilhem do mesmo ideal, joguem o mesmo jogo. A palavra de ordem (da ordem neoliberal, fique bem claro) é: investir na carreira!

A pós-graduação é um investimento, o currículo é um investimento, publicar em uma boa revista é um investimento (não é à toa a reação contra a Elsevier e o surgimento de movimentos como o Open Science, diga-se). O sujeito neoliberal, empreendedor de si mesmo, capitalista da própria força de trabalho, também produz ciência. Mas para quem pode pagar por ela.

Produzida dessa forma, a ciência tem um público bem claro. Por exemplo: os remédios para doenças cuja maior incidência ocorre em áreas sem infraestrutura de saneamento, sem acesso a boas condições de medicina preventiva e de educação sanitária, dificilmente tem suas gerações atualizadas. E não é por que esses medicamentos chegaram à sua “fórmula ideal”. Medicamento, ciência, empreendimentos para quem? Enquanto isso, novos remédios para depressão são lançados regularmente, melhorando sua eficácia, diminuindo efeitos colaterais, ganhando novos espaços no mercado.

Para fazer outra ciência, talvez fosse necessário fazer outra sociedade... Quem quer essa ciência, afinal?