Na semana passada, vários jornais anunciaram a possível descoberta do Bóson de Higgs – a partícula de deus. Inúmeras matérias sobre os bósons e os prótons, sobre Einstein, sobre a teorias das cordas, sobre Física Nuclear, sobre o The Large Hadron Collider (LHC)... pipocaram na internet. Alguns canais de comunicação informaram a trajetória científica da possível descoberta e indicaram a trajetória daquele que seria o “dono da bola”, o físico britânico Peter Higgs.
Como maçãs que caem nas
cabeças de gênios ou mãos que cruzam acidentalmente feixes radioativos de
elétrons, Higgs teria tido seu momento de epifania “enquanto caminhava um fim de semana pelas Montanhas Cairngorm, na
Escócia. Quando retornou ao laboratório, ele disse aos seus colegas ter tido
sua ‘grande ideia’ e encontrado uma resposta para o enigma de porque a matéria
tem massa (UOL).”
O parque natural de Cairngorn: belíssimo
panorama para
uma“epifania” sobre a partícula de deus
uma“epifania” sobre a partícula de deus
Obviamente, a ciência
não avança apenas por momentos “Eureka”. A ciência se desenvolve em
laboratórios, com pesquisas, com pesquisadores, com trocas de conhecimento, com
divulgação de métodos, com incentivos, com reconhecimento social, etc. Steven
Shapin, professor de História em Harvard, tem uma frase interessante sobre a
complexidade da produção de conhecimento: “Há
tanta ‘sociedade’ dentro do laboratório e do desenvolvimento do conhecimento
científico quanto ‘fora’ dele”.
Mas nada disso é novidade. Os cientistas sabem que a ciência não é produzida pelo gênio maluco em seu laboratório subterrâneo, nem por epifanias desconexas. As grandes descobertas surgem, mas não do nada, ao acaso. Surgem em laboratórios, em congressoss, nas mentes de cientistas que as procuravam, e mais, que foram (en)formados para encontrá-las. Então, por
que continuamos consumindo esses mitos sobre descobertas científicas ocasionais?
Por que é necessário construir relatos do tipo: “era uma manhã calma e florida de primavera quando tive uma ideia que
anos depois se consagrou...”? Por que sabemos sobre a maçã de Newton? Por
que sabemos que Galileu lançou pesos da Torre de Pisa? Alguns desses relatos
nada mais são que mitos criados para glorificar os cientistas, para engrandecer
suas descobertas, para aumentar a popularidade de teorias, para alimentar o
imaginário e promover o reconhecimento popular, para viabilizar e justificar
gastos com pesquisa, para firmar campos do conhecimento e legitimar
determinadas ciências. São mitos que nos foram passados como partes de uma
história grandiosa, heróica, digna de um suntuoso roteiro hollywoodiano! Não
por acaso, é necessário criar esse tipo de áurea sob a imagem dos cientistas,
homens objetivos, calculistas, geniais, que concebem uma grande descoberta ocasionalmente
em seu dia-a-dia, enquanto nós, não-cientistas, caminhamos todos os dias enquanto
pensamos em aleatoriedades como esta:
Em
5 de novembro de 1955, após uma queda no banheiro,
Dr. Emmett Brown inventara o
capacitor de fluxo, dispositivo que possibilitou
a viagem no tempo em De volta para o Futuro, trilogia de Steven Spielberg
a viagem no tempo em De volta para o Futuro, trilogia de Steven Spielberg
Encontrar o Bóson de
Higgs pode ter sido um grande passo. Mas encontrar a partícula de deus como em
um belo roteiro cinematográfico, sim, justifica uma verdadeira epifania
científica!