Nossos amigos
médicos já tiveram a oportunidade de se manifestar aqui no Blog quando, há
quase dois anos, versamos sobre o aumento de quase 3 mil novos “postos de
estudo” – vagas – nos cursos de medicina de todo Brasil (http://quemquerciencia.blogspot.com.br/2012/06/v-behaviorurldefaultvmlo.html).
Quase tivemos nossas
cabeças dependuradas em praça pública quando dissemos que o médico era um
tecnólogo, e que não poderia mais ficar esperando pacientes em seus consultórios
com ar condicionado, prontos pra receitar um medicamento da empresa X, que lhe
oferece alguns “incentivos”; ou que a lei inexorável de oferta-procura se
incumbiria de acabar com a insensatez de observar que prefeituras do interior
do Brasil se esforçavam pra contratar médicos por 50 salários mínimos. Com a
formação anual de 3 mil dessas “peças de reposição”, logo-logo haveria
tecnólogos nesses locais ganhando 15 salários mínimos (puxa, que afronta...)
Pois muito
bem. Passado esse tempo muita coisa aconteceu. Como se não bastasse esse
aumento na formação de novos profissionais aqui no Brasil, o governo ainda
tomou a decisão de incentivar a importação de profissionais do exterior pra
sanar o déficit de, segundo cálculos do governo há época, cerca de 10 mil homens
de branco.
Existem
algumas questões nesse processo que merecem atenção. Pense comigo: qual o
perfil profissional desses médicos estrangeiros que aportam em terras
tupiniquins? Cubanos, em sua maioria. Nada mais lógico, diria nosso intelectual maior, Diogo Mainardi...
troca de favores entre governos da ultrapassada esquerda. Será que é só isso? O
que tem os médicos cubanos que os dos EUA, da China, do Chile, do Peru não tem?
Pra responder
a essa pergunta, precisamos de um parênteses histórico em concepções de
medicina específicos. Médico, como já dissemos no outro post, era até o século
XIX um curandeiro melhorado. Só a partir dos oitocentos eles começaram a ganhar
o status de salvador das pátrias que observamos hoje.
Cara, eles
podiam agora curar doenças milenares com medicamentos simples, ou mesmo ações –
ou, para delírio dos mais exaltados: técnicas – simples. A luz da ciência
finalmente chegava para iluminar o caminho da humanidade. O laboratório, os
micro-organismos passaram a ser mais importantes do que os organismos. Não por
coincidência surgiria exatamente no século XIX uma corrente científica que buscava
problematizar o caráter social da medicina na Europa: a assim denominada “Medicina
Social”. Um de seus principais ícones, o alemão Rudolf Virchow, chegou a dizer
que a medicina era uma ciência tão social quanto a história ou a filosofia.
Os
micro-organismos deviam continuar sendo estudados. Afinal eram eles os
causadores das doenças. Mas não deveríamos nos esquecer de que as doenças foram
causadas por fatores sociais. Por condições de vida, de salubridade, de
alimentação, etc.
Algum tempo
depois surgiria a apropriação norte-americana para o problema. O livro intitulado
“Medical Education in the United States and Canada” de Abraham Flexner foi publicado
em 1910. Nascia uma concepção de medicina que todos conhecemos hoje: centrada
no hospital, no doente, na doença. Em linhas gerais, era um estandarte dos
amantes dos micro-organismos. Microscópios ao alto, bradavam! Concebia-se a indústria
da medicina. Medicamentos, máquinas, técnicas cada vez mais rebuscadas em busca
das verdades escondidas nos micro-organismos. Pelo bem da humanidade.
Essas duas
concepções de medicina se tornaram concepções pedagógicas de formação do
profissional médico ao longo do século XX. Questões políticas das mais
complexas fizeram com que o globo terrestre se dividisse entre esses dois paradigmas.
O mundo capitalista ocidental, claro, pendeu para o lado Yanke-Industrial. O
socialista para o Europeu-Social.
Não se trata
aqui de afirmar que um é melhor do que o outro. Apenas de constatar que os
médicos cubanos são formados sob a égide da Medicina Social. Todo esse
preâmbulo pra dizer que nem de longe pode ser considerada aleatória a atitude
do governo brasileiro de trazer quase 6 mil médicos de Cuba. Se ela é certa ou
errada é outra questão.
Certa ou
errada, ela parte de preceitos teóricos (que no fim das contas também são
subjetivos). Parte do princípio de que para o interior do Pará não pode ir um
médico que só consiga cuidar de pacientes se puder fazer ressonâncias
magnéticas, tomografias, etc... Pra lá tem que ir um médico que consiga
compreender socialmente o doente.
Queridos discípulos
de Hipócrates. Não estamos dizendo que vocês são insensíveis, ou que não foram
capazes de aprender isso – nem que seja na marra. A realidade de um país
continental e historicamente corrupto levou a meia-dúzia de dois ou três que até
então havia se arriscado em condições de tamanha insalubridade à experimentar
coisas que até Deus duvida. O que está em discussão aqui é a atitude do governo
brasileiro de buscar mesclar esses dois modelos de medicina. Esses dois perfis
profissionais.
E uma coisa precisa
ser dita: não somos os únicos a passar por esse processo. Vamos, chame seu
amigo que vive no interior da França pelo Skype agora. Ele vai lhe contar como
é ser tratado por médicos poloneses, e você vai perceber que há muitas
semelhanças entre eles e os discípulos de Fidel. França e Polônia não são
governados por esquerdistas lunáticos – by Diogo Mainardi.
Não! Não é
necessário, em nome da retórica de “oferecer Infra-estrutura”, comprar 200
aparelhos de Ressonância magnética e envia-los ao interior do Pará. Por vários
motivos. Uma que se são 200, enquanto vc lê essas três palavras já são 170,
160, 130 aparelhos... Outra que por trás dessa atitude estão verdadeiros
mafiosos que mantém uma das indústrias mais brutais e sanguinárias: a indústria
da morte. E por aí vai... Precisamos de medicamentos, de aparelhos de ressonância magnética. Mas também precisamos de médicos que sejam capazes de fazer, de fato, a tão famigerada "Atenção Básica"... de mandar para os hospitais, de fato, os pacientes que deles precisem. O que vemos hoje, em grande medida, é um sistema - como quase tudo em nosso país copiado - que prevê essa atenção básica, mas que, em função de uma formação profissional desconectada da realidade de nosso país, não consegue exercer seu papel.
Precisamos de nossos queridos tecnólogos unidos. Há espaço para essas e todas as outras concepções de medicina que delas surgiram ao longo do último século. Há espaço para todo bom profissional. Em todas as áreas. Se vc é um bom médico-tecnólogo-industrial, vc vai conseguir ter uma vida digna. Se vc foi um médico-tecnólogo-social também. Quem vai dizer isso é o mercado de trabalho. Mercado este que rege todas as outras profissões. Welcome to the Jungle!
Sim, nós somos chacrinhas! Viemos pra confundir, não pra explicar! Não existe solução mágica em se tratando de saúde-pública. Sobretudo em um país com características histórico-geográfico-sociais tão singulares como o nosso. Existiram tentativas louváveis. O próprio SUS é louvável. Ah, se não tivéssemos o DNA da corrupção em nossos envoltórios celulares... E a postura do governo brasileiro desde 2010 nesse respeito pode ser muita coisa – inclusive certa ou errada – menos infundada. Discuta conosco, seja vc um tecnólogo ou não!