Nosso entendimento do Universo se tornou mais
completo hoje. Pelo menos, é o que anunciam (e comemoram) os cientistas do CERN
(Organização Européia para a Pesquisa Nuclear). Depois de alguns anos de pesquisa
intensa e alguns bilhões de dólares envolvidos no projeto, o tão aguardado
“Bóson de Higgs” – a “partícula de Deus” – foi descoberto. Apesar de ainda
falarem em “resultados preliminares” e insistirem na necessidade de novos
experimentos, a excitação é evidente.
Em um comunicado divulgado à imprensa, a despeito do
tom reticente, o diretor do mais importante laboratório de físicas de
partículas do mundo qualificou de “histórica” a descoberta realizada pelos
pesquisadores de um dos projetos que ocupam o LHC, um gigantesco acelerador de
partículas instalado cem metros abaixo da superfície de Genebra, na Suíça. A
partícula que ocupou os noticiários de ciência e tecnologia hoje tem
importância fundamental para a atual explicação do Universo, o chamado Modelo
Padrão. Não quero explicar a teoria física vigente. Não quero falar do “Bóson
de Higgs” (quem quiser, pode ler mais aqui). Quero falar da “partícula de Deus”.
Imagem da dispersão
de partículas de alta energia a partir da colisão de dois prótons
Ao contrário do que somos inclinados
a pensar, a ideia de dar um apelido impactante para uma partícula esotérica
presente nas teorias herméticas da física contemporânea não surgiu da mente de
um jornalista de ciência preocupado com a aridez dos temas que trata. Pelo
contrário, a expressão “partícula de Deus” foi cunhada pelo eminente físico Leo
Lederman, ganhador do Nobel de Física em 1988.
E esse não é o único exemplo. Albert
Einstein ficou famoso por suas metáforas teológicas. O astrofísico George Smoot
comparava, em 1992, o momento do Big Bang à visão do “rosto de Deus”. Além
disso, podemos encontrar, em uma região da Nebulosa de Águia, os “Pilares da
Criação”, enormes estruturas de gás e pó que dão origem a diversas estrelas e
planetas.Todas essas metáforas são obras de cientistas.
Os “Pilares da
Criação” da Nebulosa de Águia
O LHC, a maior máquina já criada pelo homem, não se
resumo a um gigantesco túnel de 27 km de circunferência (embora isso já seja
bastante impressionante). Para funcionar, ele precisa estender sua rede para
muito além das paredes subterrâneas do laboratório. Precisa ampliar sua
influência por toda Europa e além do Atlântico em colaboração com pesquisadores
e universidades do mundo inteiro – do Brasil, inclusive. Precisa convencer o Parlamento
Europeu a liberar milhões de euros em fundos anuais. Precisa, enfim, da
legitimidade conquistada junto à imprensa e à opinião pública.
Depois do anúncio da
descoberta do Bóson de Higgs, o que vai ser feito com o LHC?
Em uma época onde as “aplicações práticas” do
conhecimento científico são exigidas em prazos cada vez mais curtos, a pesquisa
em áreas como a física de partículas – que exigem altíssimos investimentos e
cujos resultados tecnológicos são visíveis a médio e longo prazo (algo que só é
permitido à física, em muitos casos) – precisa descobrir novas maneiras de
ressaltar a sua importância. Fazer lobby sempre foi uma das atribuições
fundamentais do cientista. Em cada situação, em cada época, em cada ciência,
variam as formas como os cientistas atraem o público, a política e o
financiamento para a sua pesquisa. Em homenagem aos Médici, Galileu chamou de Medicea Siderea as recém descobertas
luas de Júpiter.
Por isso, não devemos nos surpreender com o apelo de
áreas como a astrofísica ou a física de partículas à metáforas que evidenciem a
importância das descobertas, que chamem a atenção da mídia, que lembrem
constantemente aos políticos e órgãos de financiamento que a ciência tem um
valor intrínseco. A metáfora cumpre seu papel quando ativa um imaginário
ocidental subterrâneo, que de vez em quando se manifesta, sempre de formas
diferentes, se recombinando em função do contexto histórico. Obviamente, não
estamos se trata de uma metáfora qualquer, mas de um recurso ao poder divino de
criação do mundo.
Encontrar “Bósons de Higgs” custa muito caro,
procurar pela “partícula de Deus” vale a pena.



E ainda mais num período em que a Economia Mundial vai mal, muito mal, é preciso muito lobby, de fato, para justificar milhões de euros/dólares, para "comprovar" algo tão improvável quanto o seu apelido: "partícula de Deus". Excelente Texto. Parabens.
ResponderExcluir