A ciência está no
mercado. Quem pode comprá-la? Quem pode vendê-la? O final do século XX e o
início do século XXI vivenciaram uma fase inédita na produção de ciência. Uma
fase de crescimento, sem dúvida. Mas também de mudanças profundas na forma como
a ciência é organizada, financiada, produzida e consumida. Ao longo da
Modernidade, a imagem do cientista se transforma, junto com a ciência. O
filósofo natural, o erudito, o intelectual e o expert passaram e deixaram suas marcas. Hoje, a imagem dominante é
a do businessman scientist, o cientista
empreendedor.
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| Craig Venter, busisnessman-scientist |
O famoso bioquímico e
mega-empresário das áreas de sequenciamento de genoma e engenharia genética. Pesquisador de
ponta (responsável pelo primeiro grande feito científico do século, um código
genético sintético) e investidor ousado. Essa é a imagem emblemática do cientista
contemporâneo. Como,
obviamente, nem todos foram como Newton no século XVII, nem todos são como
Craig Venter. Mas isso não impede que muitos (a maioria) compartilhem do mesmo ideal, joguem o mesmo jogo. A palavra
de ordem (da ordem neoliberal,
fique bem claro) é: investir na carreira!
A pós-graduação é um
investimento, o currículo é um investimento, publicar em uma boa revista é um
investimento (não é à toa a reação contra a Elsevier e o surgimento de
movimentos como o Open Science, diga-se). O sujeito neoliberal, empreendedor de si mesmo, capitalista da própria
força de trabalho, também produz ciência. Mas para quem pode pagar por ela.
Produzida dessa forma, a ciência tem um
público bem claro. Por exemplo: os remédios para doenças cuja maior incidência ocorre em áreas sem infraestrutura
de saneamento, sem acesso a boas condições de medicina preventiva e de educação
sanitária, dificilmente tem suas gerações atualizadas. E não é por que esses
medicamentos chegaram à sua “fórmula ideal”. Medicamento, ciência, empreendimentos para quem? Enquanto
isso, novos remédios para depressão são lançados regularmente, melhorando sua
eficácia, diminuindo efeitos colaterais, ganhando novos espaços no mercado.
Para fazer outra
ciência, talvez fosse
necessário fazer outra sociedade... Quem quer essa ciência, afinal?

Ótimo post, mas tenho alguns adendos. Não querendo defender o Craig Venter, mas os principais conhecimentos gerados pelo trabalho dele são relacionados à pesquisa básica:
ResponderExcluir1. inventou a idéia de quebrar os genomas para sequenciar. Devido a isso, o genoma humano foi finalizado com aproximadamente 10 anos de atencedência. Esses dados ainda não foram completamente aproveitados pela comunidade científica, apesar de disponíveis publicamente, devido à complexidade.
2. inventou a estratégia de metagenômica. Sequencia vários organismos sem precisar cultivá-los. Lindo isso, visto que menos de 2% das bactérias são cultiváveis e, portanto, não eram passíveis de sequenciamento. Resultado, vários bancos de dados de pessoas que fizeram o mesmo processo, mas não foram além do que a técnica permite.
3. criou um organismo com código genético sintético, usando apenas genes essenciais para sua sobrevivência, como dito. Mas ainda não vi outros trabalhos relacionados a idéia. Devem existir, mas estou por fora do assunto, o que indica que não foram grandes descobertas.
Como disse anteriormente, longe de mim defendê-lo. Ele deve obter renda de outras formas também. Mas ele també gerou, talvez não intencionalmente, novas metodologias que contribuem, aos poucos, para o avanço da ciência.
Acho que uma coisa que falta na pesquisa, realmente, é aproveitar os dados que já temos. Parar para pensar e desenvolver as idéias. O que vejo é pessoas obtendo dados, publicando, e deixando os dados acumularem nos bancos de dados enquanto começam um novo trabalho. Tudo visa a publicação, seja para defender doutorado ou manter carreira, e o tempo que deveríamos ter para pensar, analisar os resultados que temos, simplesmente se esvai.
Por outro lado, Craig Venter tem dinheiro e pode planejar grandes excursões pelo mundo para coletar dados e fazer as pesquisas que quer com o tempo necessário para isso. Talvez por isso ele tenha obtido sucesso e atenção da mídia.
Ps.: ótima iniciativa do blog. Estarei atento às publicações.
Eu admiro sua forma de não defendê-lo, Siomar. De verdade. A contribuição científica de um lado, e você nos mostrou muito bem quais foram. Mas a "defesa" implica em muitas coisas, né? Implicações sociais, políticas, econômicas, empresariais, institucionais, e é claro, científicas... É esse o ponto que queremos mesmo discutir aqui! Valeu. :-)
ResponderExcluirPS: tem certeza que Craig Venter não é guitarrista de uma banda famosa? rs
Ué, não que eu saiba. Mas está aí um bom nome.
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